
Por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia
Considerando a prática política no Brasil, em parte perpassada pela corrupção nas gestões públicas, o fim da reeleição pode ser um invento sedutor, atrelado à ideia da unificação das eleições. Porém, pode gerar danos incontornáveis ao erário, aos munícipes e, principalmente, a possibilidade de favorecer gestores no cargo, prejudicando a alternância de poder – um dos pilares da democracia.
Há tempos, sabe-se que a reeleição no Brasil, especialmente para cargos do Executivo, é instrumento de concentração de poder, de vantagens indevidas para o candidato à reeleição e impede a avaliação do mandato pela população. Além disso, a reeleição tem sido usada, em muitos casos, como fator estratégico de personificação da gestão e de barreira fixada à renovação política, com o sujeitar da oposição.
Desse modo, a reeleição se constitui em uma oportunidade para retrocessos, por ser um risco certo para a continuidade de políticas públicas bem-sucedidas, pois, comumente, o novo governante opta pela descontinuidade de projetos iniciados pelo antecessor, para personificar a sua gestão, em detrimento do bem coletivo.
Nesse contexto, uma parte da classe política propõe a emenda do fim do mundo ou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 12/2022) que, tramitando no Senado Federal, pode motivar um fato político sombrio: os prefeitos reeleitos nas eleições de 2024 permanecerem no cargo até o ano de 2034. Essa proposta faz parte de uma reforma política mais ampla que prevê o fim da reeleição para cargos do Poder Executivo e a unificação das eleições.
Para tanto, o texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), propõe que o mandato para cargos do Executivo seja único, com duração de cinco anos, sem direito à reeleição. Porém, durante a transição para o novo modelo, a PEC permite uma exceção preocupante: prefeitos reeleitos em 2024 virem disputar novamente as eleições em 2028 – ou seja, um casuísmo político premeditado.
Assim, da perspectiva da corrupção, da concentração de poder, das vantagens ao gestor no mandato, da alienação dos munícipes, da personificação da política e do nepotismo, tal possibilidade é, além da maleficência, uma Emenda do fim do mundo. Pois, um prefeito que iniciou seu mandato em 2021, for reeleito em 2024 e novamente eleito em 2028, (pasmem!) poderá permanecer no cargo até 2034 – totalizando 14 anos consecutivos no poder.
Nesse sentido, por melhor ou pior que seja o prefeito ou prefeita, nem o mais alienado ou intelectualizado dos munícipes brasileiros merece tamanha esquizofrenia política, que irá golpear a alternância de poder e, por emergência clínica, levará a democracia à brasileira para um leito de hospital municipal – à base de dipirona vencida e intubação orotraqueal feita por técnico de enfermagem formado por IA.
Assim, a escatologia da Emenda do fim do mundo, antes de permitir que as eleições municipais se alinhem às eleições gerais a partir de 2034, quando haverá unificação do calendário eleitoral, gerará um aumento na abstenção eleitoral e um caos sem precedentes nas gestões públicas municipais, por gerar descrença no eleitor e não garantir a efetividade na aplicação e na fiscalização institucional dos princípios da administração pública nos municípios.
De fato, no mundo da política ideal, a unificação das eleições é vital, mas, na realidade da prática política no país, este lapso temporal de permanência no poder será, para a maioria dos prefeitos, um espaço propício para consolidar múltiplos desmandos de gestão ad infinitum.
Portanto, para aperfeiçoar a PEC 12/2022 ou a Emenda do fim do mundo, que visa o fim reeleição no Executivo, deve experimentar um longo processo de maturação da consciência política – em nós, brasileiros! – para não se tornar em mais um estímulo à corrupção e o fim da democracia à brasileira, bem como outra forma de burlar a avaliação popular.
